sábado, 24 de março de 2018

REFAÇO

Inauguro hoje neste blog meu espaço autoral. Em meio aos meus relatos de leitura, pretendo misturar alguns poemas, alguns pensamentos e compartilhar minhas sensações e percepções de mundo por um outro ângulo.

Não tenho grandes pretensões... Quero apenas desengavetar alguns escritos e permitir que minhas palavras tenham voz. Quem sabe ecoem? Quem sabe encontrarão outras palavras na mesma vibração? 



REFAÇO

Não me interessam as “futilezas”.
Pela dor, medo e grito passo ileso.
Pelas minhas próprias angústias não serei preso.
Não, não serei meu próprio algoz.

Corro, arregaço o peito, vocifero coragem e saio do leito.

Já não tolero elucubrações, discursos vazios, pessoas vazias.
Não suporto disputas, meus espaços eu cavo.
Minhas escolhas conduzo.


Viver é aproveitar o segundo...

Dos tropeços, recolho pedaços.
Na estrada da vida eu me busco...
Se me encontro? Não sei!
Eu me refAço.

(Wagner Dias)

24 de março de 2018
Québec

LE PALAIS DE LA FATIGUE

Le palais de la fatigue (O palácio da fadiga), Michael Delisle. Hoje venho falar um pouco sobre minhas sensações ao ler esta obra. Mais uma da minha empreitada desbravadora sobre a literatura em língua francesa do Québec. Estas leituras provém da necessidade de treinar o idioma, aliadas ao desejo de conhecer novos estilos e novas possibilidades sensoriais. 

Tive sorte nas últimas leituras que, de certo modo, acabam se interconectando pelos seus temas. Em Le palais de la fatigue, deparamo-nos com três narrativas que se ligam através de seus personagens, e que nos permitem refletir sobre as marcas que deixamos no mundo. Na verdade, como as marcas deixadas em nós pelo mundo moldam as marcas que deixamos no mundo! Tudo cíclico! A eterna lei do retorno. 

O que nos alimenta, o que nos inspira, o que nos faz avançar, refletir, produzir? É esse o diálogo que fiz com a obra de Delisle. O preço do sonho, o preço das escolhas, o preço de nossa insistência e o preço de nossas desistências. Fiquei pensando como tenho medo do fracasso. Quem não tem? Mas, também, pensei em como podemos driblar o fracasso, nos reerguemos, nos reestruturarmos para dar um passo além. 

Uma máquina de escrever, um professor, um urso com a pata machucada... fotografias, viagens... a busca pelo conhecimento... Estes são alguns dos elementos que Delisle utiliza para nos colocar em contato com sua narrativa que, de certo modo, nos induz a pensar em como construir narrativas. Qual é a sua narrativa de vida? O que pode ser feito a partir do capítulo anterior? Como desenhar o futuro? Como redesenhar o passado? 

Trata-se de uma leitura aparentemente inofensiva, mas que cutuca com agulha quente a parte mais aberta da nossa ferida existencial. Viver para quê? E, a partir daí, pensar: desistir ou insistir? Pensar a desistência é doloroso. Não gosto das desistências. Até tenho certa afinidade com as reticências, com as pausas... necessárias, mas voto pela retomada dos sonhos, pela luta pelo que se acredita, por quebrar a cara, de verdade, mas com a certeza de ter tentado. 

Li em algum lugar essa semana algo como: não tentar é perder a oportunidade de sabermos do que somos capazes. (Não me lembro de onde li, e por isso não consigo aqui citar a autoria.). E, às vezes, nossa força é imensamente maior do que imaginamos. Cada livro nos toca de algum modo. Assim fui tocado pela construção narrativa de Delisle: a desistência é triste. Busquemos a persistência, a insistência, a paciência. E se essa narrativa puder terminar com um pouco de coerência e de decência... melhor!

Agora sigo,  retomo do capítulo anterior de minha vida e passo ao seguinte! Certamente, com grandes emoções. A vida que segue, esse é o título!

A todos, meus abraços,
Wagner Dias.

sexta-feira, 9 de março de 2018

LES REPENTIRS

Les repentirs, Marc Séguin. Trata-se de um livro fascinante sobre vida, amor e morte, temas constantemente revisitados pela literatura. Revisitados porque são os grandes temas da humanidade e talvez continuem sendo por anos a fio. O que dá envergadura a uma obra que retrata temas tão recorrentes é a forma de narrar e de se apropriar das minúcias que colocam o leitor em contato consigo mesmo. Acredito, e sempre acreditei, que boas obras, independentemente de serem de autores consagrados ou iniciantes, provém da virtude desses autores para conseguirem traduzir com palavras a emoção. Mais ainda: construir emoções com as palavras. Sejam quais forem tais emoções. 

Neste contexto de construção de emoções, atrevo-me a dizer que Marc Séguin, foi maestro sagaz e sensível ao harmonizar as notas de sua orquestra de palavras. Memória, amor, consciência de sí, perdas e a análise profunda e verdadeira do eu. O autor consegue transitar no tempo, no espaço, nas memórias, nas ilusões, nas fantasias, no desejo, nos aromas, na esperança, no sonho, na frieza e sordidez do homem de um modo simples e altamente contundente.

Impossível passar ileso pelas frases, pelas metáforas, pela poesia narrativa de Séguin. Impossível não perceber o caráter redentor e salvador da arte. Arte que salva o personagem principal da narrativa e arte que nos salva.

Fiquei bastante impressionado com o texto de Séguin. Curioso também! Possivelmente buscarei conhecer otros de seus trabalhos. Neste momento, ainda encontro-me em contato com as minhas profundezas humanas, tentando, à partir de Les repentirs, redescobrir-me. O desafio é gigante, mas a leitura é deliciosamente dolorosa e terna.
Recomendo com vontade!
A vocês, meus abraços,
Wagner Dias.

domingo, 4 de março de 2018

L'ORANGERAIE

L'orangeraie, de Larry Tremblay. O que você faria, caso tivesse que escolher um filho, entre dois gêmeos idênticos, para enviar à morte a pretexto de salvar toda sua família? É a partir desse dilema que a obra de Tremblay se constrói. Em um cenário devastado pela dureza da guerra, a narrativa nos remonta aos atrozes ataques da contemporaneidade, que se fazem em nome da fé ou do poder sem limites.

Trata-se de uma comovente história de amor entre dois irmãos, unidos pela alma e pelo sangue, história que remete o leitor ao mais profundo esconderijo de sua existência, retirando de lá lembranças, medos, dores, amor e medo. 

O drama narrado faz parte do nosso cotidiano e nos aponta o tamanho da mesquinharia humana e o que se é capaz de fazer ao próprio semelhante em nome de uma ideologia. A leitura é rápida e fluida. A narração é construída com linguagem ágil, repleta de ricas metáforas e imagens fascinantes. 

A obra de Tremblay, comove. Não é à toa que recebeu inúmeros prêmios. Um livro que merece ser lido, assimilado e contemplado. Dificilmente o leitor não se identificará com os irmãos Amed e Aziz, assim como com suas histórias, brincadeiras e palavras de ternura. Dificilmente o leitor deixará de se revoltar, e quem sabe, os mais sensíveis, como eu, chegar às lágrimas.

Faço apenas uma ressalva com relação ao desfecho. Para muitos o final está dosadamente construído, dando à obra o desfecho necessário. Confesso que achei o final me trouxe a sensação de que a história não encontrava seu curso para terminar. Creio que o fim merecia um pouco mais de pompa, poderia ser mais majestoso... o que de forma NENHUMA tira o brilho e emoção construídos pelo autor. É apenas questão de gosto! ;-) 
Contudo, é um lindo livro. Recomendo fortemente sua leitura.

A vocês, meus abraços,
Wagner Dias