Do direito à palavra ao direito à escolha
Vivemos um tempo de vozes. Das mais diversas, belas, controversas, afáveis, venenosas, alegres, deprimentes... tempo de palavras de todas as ordens. As palavras viajam velozes através das redes sociais, das televisões, de panfletos, rádios... São inúmeros os canais pelos quais as palavras vêm e vão.
As palavras podem ser os reflexos dos nossos egos. Podem ser veículos que levam amor. As palavras podem tudo! E isso é mágico! As palavras podem ser, inclusive - acreditem - liberdade! No entanto, tenho filtrado um pouco essas tais palavras: adotei como prática cotidiana filtrar o que leio e ouço, o que falo ou escrevo. É simples: basta pegar as palavras e passá-las por um filtro no qual coabitam carvão, areia e algumas pedras. A tentativa é extrair desse processo um caldo mais limpo.
Às vezes funciona. Alguns sucos, de palavras filtradas, saem límpidos e cristalinos, bem puros. Outros continuam turvos. Há ainda os que saem da mesma forma que entraram. Por fim, há os que são tão densos, tão carregados de escuridão, que não conseguem vencer as barreiras da filtragem. Ficam retidos. Para o bem! Esses, que não passam na seleção da filtragem, são sucos de palavras repetidas, vazias, discursos de mero convencimento. Sim! Atualmente, querem me convencer de tudo: querem me convencer disso ou daquilo, querem que eu seja assim ou assado, querem que eu compre esse ou aquele produto. São palavras que sugerem como devo viver: palavras que querem viver por mim, pensar por mim, tomar decisões por mim.
Tento entender os propósitos dessas palavras... todavia, acabo concluindo que são palavras impensadas, resultados de reflexões rasas. Muitas das vezes são palavras cuspidas como fruto de uma autodefesa que é cega. O triste é que essa cegueira impede qualquer exercício de análise imparcial, serena, pautada na sabedoria. Nem falo aqui de títulos ou diplomas, pois algumas das pessoas mais sábias que conheci neste mundo não sabiam sequer escrever o próprio nome.
Vivemos tempos difíceis, de falsas notícias, de discursos mentirosos. O problema é que sempre haverá alguém capaz de acreditar nessas mentiras: seja por ignorância, covardia, modismo, ou por uma questão de caráter. E essas mentiras acabam ganhando tônus de verdade, porque assim se escolheu: acreditar na mentira, às vezes, camufla a necessidade de justificar o que na verdade não se justifica. O erro por exemplo. Aprendi, com meu pai, que não se justifica um erro, mas que se deve pedir perdão quando se erra. Segundo ele, isso se chama nobreza de espírito. Um artigo raro em tempos tão frios.
Por essas e outras, decidi escolher o que ler e ouvir, a pretexto de manter minha sanidade: estou um pouco cansado de tentar esforços hercúleos para tirar leite de pedra. Não me julguem! Primeiro pensem no que já fiz nesta vida e porque cheguei a este nível de cansaço. Decidi que, ao invés de tirar leite de pedras, seria melhor construir, com as mesmas pedras, filtros.
Não, não, não! Não tentem dizer que construí com elas muros para me isolar e me separar daquilo que vocês pensam (se vocês pensam diferente de mim). Não construí muros. Reflitam: uma pedra sobre a outra, e assim sucessivamente, pode conotar uma parede. Mas se vocês quiserem enxergar isso como parede. Prefiro pensar que nas frestas existentes entre uma pedra e outra passam os sucos de palavras... As pedras, na minha concepção, filtram o que chega a mim.
Não gosto de nenhuma ideia radical de segregação, de isolamento, de rejeição. Acho egoísta e contraditório com meu pensamento libertário, que nomeia as coisas. Isolar, segregar, rejeitar são palavras que implicam um tipo de concordância que não prioriza diálogos. Em linhas gerais seria: "se não pensa como eu, está fora do jogo"! Em outras palavras, já que elas hoje são temas de nosso texto, não interagir, não ponderar e apenas excluir revela nossa falta de equilíbrio, de discernimento e de capacidade de vivermos fora do atoleiro do nosso próprio egoísmo.
Assim, a escolha de filtrar palavras me pareceu sadia, uma vez que é vão o ato de tentar dialogar sem interlocutor. Falar ao vento? Tentar convencer alguém de uma ideia, sabendo que esse alguém não está disposto a, minimamente, refletir? Ah, alguns de vocês podem dizer: "mas ele está se contradizendo. Ele está segregando". Não! Há aqui uma diferença sutil. Estou filtrando para que posa receber ares mais puros, menos carregados de instintos e mais coloridos de reflexão. Todavia, este é um espaço de liberdade. Escolha! Cabe a vocês, que leem minhas loucuras, a decisão de filtrar, ou segregar, se quiserem e assim acharem necessário.
Fazendo uso da mesma liberdade, resolvi que quero coisas belas no meu caminho. Quero energias de pureza, bons sentimentos, quero palavras que me edifiquem, que estejam envoltas por luz e ternura.
Ouvi alguém gritar que sou alienado? Dou a vocês a liberdade de entenderem como alienação. Mas com a mesma liberdade me dou o direito de dizer que eu, por muitas vezes, me faço de alienado para evitar o crudelíssimo momento em que alguns pensam dialogar, mas só gritam tentando emudecer minha fala com palavrões, xingamentos, palavras amargas... Meu pai também me ensinou que o grito é a arma dos sem argumentos! O que vocês acham? Concordam? Discordam? Podemos pensar juntos, afinal, se vocês se predispõem a pensar antes de responder, isso significa que vocês são dotados de flexibilidade. Significa que neste hiato em que se formulam ideias, podemos, todos, mudar de opinião. Quem sabe assim não conseguimos buscar outras saídas para um problema sem nos agredirmos. Sem nos considerarmos imorais pelo simples fato de pensarmos diferente.
Filtrar palavras significa nada mais, nada menos que refletir: o que vocês sentem quando falam ou escrevem? Já pensaram nisso? Vocês se sentem em paz, sentem seus corações batendo livres, serenos? Ou vocês tremem, se irritam, sentem o calor do sangue nas veias e veem alteradas suas pressões arteriais, a um passo da explosão?
O que vocês sentem é o que vocês transmitem. Palavras carregam consigo energias que são poderosamente transmitidas. Podemos fazer viver ou matar sonhos com nossas palavras.
Acreditar naquilo que se fala é escolha!
Desejar o bem com as palavras é escolha!
Palavra é uma escolha!
Assim, fazendo uso da palavra liberdade, que é nossa, digo: que eu tenha a sabedoria de observar mais e de falar menos, principalmente se minha voz for ferir alguém. Que minha língua seja arrancada se eu não puder usá-la para acalentar, para acariciar, para ajudar, para fazer o bem, para tornar nossa passagem por este mundo mais amena e mais poética.
Eu não sei empunhar armas de guerra, não sei gritar para liderar no combate, não tenho convicções engessadas, não me sinto capaz de dizer ao meu próximo como ele deve viver, afinal, quem melhor que ele para tomar essa decisão?
Talvez eu tenha nascido para ser ombro ou ouvido. Não para ser língua! Isso porque se, ao falar, eu não for capaz de, minimamente, oferecer paz, que a língua se silencie e que eu me comunique através das lágrimas honestas que dos meus olhos rolam.
(Wagner Dias - 31 de janeiro de 2020)