quarta-feira, 1 de julho de 2015

A FESTA DA INSIGNIFICÂNCIA

A festa da insignificância, de Milan Kundera. Para mim, essa obra se define como sendo paradoxal. Em que sentido? Tentarei explicar. Tive a sensação de que essa leitura não se realiza nas meras linhas do texto. Vai além! As linhas dessa obra tornam-se insignificantes diante do que as entrelinhas permitem. Nesse sentido, posso ousar dizer que Milan Kundera é um gênio! Não apenas por ser um autor aclamado, mas pela destreza, pelo talento, pela eficácia de construir uma narrativa aparentemente simples, ou insignificante, como preferirem, e, dessa forma, conseguir dar a essa insignificância ares de uma festa complexa e repleta de nuances! Festejar o insignificante permite entendermos as profundezas do que nos é significativo. 

O texto essencial e tocante dessa obra está internalizado nos subtextos - nos monólogos interiores - nas reflexões e, até mesmo, nas falas dos interlocutores dos personagens principais. Por que falar da insignificância? Porque, penso, falar do que raramente pensamos permite-nos construir o entendimento daquilo que pensamos ser. É como pedir a alguém para se definir em poucas linhas: numa situação dessa, torna-se difícil criar uma autodefinição que dê margem à exposição das falhas de caráter, dos defeitos, das mentiras que falamos cotidianamente. Temos a tendência a exaltar nossas qualidades. Contudo, enxergar o defeito, pode abrir caminhos para nos entendermos de modo menos interesseiro, menos parcial. Afinal, ser honesto consigo mesmo pode ser mais complexo que ser honesto com o outro! 

O texto é simples! Vocabulário que não exige do leitor grandes esforços. Os capítulos são curtos, as situações retratadas são simples, ou insignificantes, diante daquilo que pensamos ser as coisas complexas e significativas de nossa vida. No entanto, o que o entendimento do umbigo como parte erótica do corpo feminino, se liga a Stalin ou ao direito de nascer? Que relações um falso câncer, ou a divulgação da falsa notícia de um câncer, um coquetel, um idioma inventado e um passeio de motocicleta por Paris pode nos revelar?

É nesse ambiente de simplicidade narrativa e simplicidade de cenas cotidianas que se compõem o mosaico de A festa da insignificância. Creio que não seja um livro para ser lido e compreendido. Ele faz sentido em alguns momentos. Em outros é uma pintura que deve ser contemplada. Refiro-me a algumas passagens como o momento de observação de uma pequena pluma que paira no ar, ou na descrição de uma garrafa de bebida, guardada como um tesouro, ou nas descrição das estátuas do jardim de Luxemburgo, dentre outras muitas. 

Arte! O texto de Kundera neste livro é pura arte. E mexe com o leitor. Se a proposta de um bom livro é esta, tocar o leitor, incomodar, mexer com os nervos, o autor consegue. Não importa se compreendemos todas as nuances do texto. Importa permitir-se mergulhar nessa viagem proposta por Milan Kundera. 

Não tentar entender é um bom caminho para esta leitura. Para quem se sentir desafiado, sugiro ler e tentar desenhar na mente as imagens, os lugares e situações propostas pelo autor. Nesse sentido, posso garantir que o livro é memorável.

Senti por esta narrativa o mesmo fascínio que senti quando li A insustentável leveza do ser - também do Kundera. Aliás, os títulos de Kundera para seus livros são fantásticos. Ter tido contato com essas duas obras deste autor me aguçou a curiosidade de ler outras obras.

Se você entender na totalidade este livro, vamos trocar figurinhas! Quero reler em breve e descobrir coisas que, fatalmente, deixei escapar, por incompetência, por falta de bagagem intelectual, ou displicência! 

A leitura deste livro é um belo desafio! Que tal? 

Deixo aqui meus abraços,

Wagner Dias