A arte de ser
feliz, Cecília Meireles
Nesta postagem, apresento a vocês a minha modesta homenagem a Cecília Meireles, interpretando parte de um de seus textos que mais me comovem: A arte de ser feliz. Espero que assistam ao vídeo e que também se sintam inspirados pela visão poética de mundo dessa grande escritora brasileira.
Abaixo do vídeo, você encontra o texto na íntegra!
Meus abraços,
Wagner Dias
Houve um tempo
em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um
grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos
dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo
parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e
sentia-me completamente feliz.
Houve um tempo
em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco
carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que
jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que
mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu
não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.
Houve um tempo
em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira
alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo
o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava história. Eu não a
podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que ouvisse, não entenderia, porque
isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão
no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu
que não participava do auditório imaginava os assuntos e suas peripécias e me
sentia completamente feliz.
Houve um tempo
em que a minha janela se abria para uma cidade que parecida feita de giz. Perto
da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de
terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre
homem com um balde e, em silêncio ia atirando com a mão umas gotas de água
sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para
que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as
gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava
completamente feliz.
Às vezes abro a
janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que
abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas,
como refletidas no espelho do ar. Marimbondos: que sempre parecem personagens
de Lope da Vega. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo
o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo
dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem
que essas coisas não existem, outras dizem que essas coisas só existem diante
das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para
poder vê-las assim.
Texto extraído do
livro:“Escolha o seu sonho” de Cecília Meireles. 4ª ed., Rio de Janeiro: Global
Editora, 2016.